quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Carta aos meus Anjos

Não sou de escrever prefácios, mas queria dedicar
previamente esse texto a Aaron Shafehaiss, Gabi Cori, João Victor,
Tonho Lira e Vinicius Cardoso. E dizer que, apesar de não postar prosas ou
cartas, abro uma exceção por um apego sentimental a esta. Sei que apegos
sentimentais podem ser ótimos flageladores de textos, mas abstraio nesse
instante e por esses anjos. É uma homenagem.


.......Os deuses têm sido intrigantes. Cada vez que estou a passo de esquecer suas belezas, eles inventam alguém para chegar perto. Alguém que não reclama, não briga. Alguém que simplesmente é; e que justo (e suficientemente) por SER faz notar o que é luz e o que é paz. Alguém que é deus [por me fazer estar perto do divino].
.......Tenho conhecido desses anjos que os deuses mimetizam de borboletas. Esses anjos soltos nos ventos, que vêm um dia, e logo correm para outras flores.
.......Acho que os deuses estão tentando me ensinar o amor. Esse tanto de leveza e liberdade. Essa pureza que exclui qualquer possibilidade de egoísmo. Porque não é justo que os anjos sejam de um só. [Não é da natureza da borboleta ter sua vida destinada a uma única flor]. Tem mais gente, como eu, que precisa deles. Então os deuses me emprestam os anjos... que depois vão embora... e eu fico da janela pensando neles. Ao invés de protestar, fico venerando, com aquela pureza que o amor ensina, aquela liberdade e as sementes que me deixam.
.......“Vai!” Digo baixinho, sorrindo, quando algum se despede. Eu tentando ser um anjo por breves instantes para que eles não carreguem consigo nenhuma de minhas limitações de gente.
.......Vou aprendendo aos poucos a maturidade do verdadeiro amor. Já que cada anjo tem dos deuses justo o amor e a maturidade que carregam.
.......E vou cuidando das sementes que me plantam, e tudo brota.
.......Os deuses fazem questão de cuidar do amor dos anjos. Chuva para não secar, sol para não inundar. E como borboletas, os anjos vêm festejar cada um dos meus brotos que eles mesmos semearam.
.......E é aí que os deuses me intrigam:


nem sempre eles avisam que a língua dos anjos é outra. Despedidas não são adeuses, e o tempo é quem mostra como os anjos são jardineiros fiéis.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Sobre a Solidão

Por dentro a paisagem, como um quadro: inerte.
Nem um vento sopra – nem um vento...
...quem diria.
Pássaros estatuados fixos
e nenhuma cantoria.
Nenhum vôo continuado.
Só silêncio.
Uma quietude exacerbada.
Quase morte.
[Do movimento, da vida, do circuito.]
Que é a vida se não deslocamento?
No entanto, nem um vento,
nem unzinho, sequer...
Nem uma brisa raquítica
denunciando alteração nas moléculas do ar.
Nem um pé de vento, nem um pé.
Apenas o sólido lugar.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sobre o Amor

Construção, tudo é construção.
Creio.
[Oscilação entre septo e vão
no desejar.
Intermitência: a entrega, o receio].

Mas é construção [sim!],
creio.
Não o fim, não,
essa coisa de amar...
Justo o meio!

Sobre a Intermitência

...enidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidadeperenidade...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Soneto do Mal-Assombro

Eu temia teu vazio em minha essência.
Tua partida a tornar o olhar escuro.
E julgava sepulcral a tua ausência
antes mesmo de me pores neste apuro.

Mas a tua covardia mais gritava:
nem amavas, nem mandavas que eu me fosse.
E o amor que viveria defuntava
em teu descuido sombrio, descaso doce.

Até que em mim tu mataste nosso amor
[te suicidasse enfim com tua partida].
E eu que achava que cultivaria dor

recebi a tua morte e fiquei pasma:
acendi velas a ti, eu destemida
e foste tu quem temeste meu fantasma!

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Soneto da Infidelidade

Observa. Eu te amo por ter te traído.
Por não sermos felizes nem sermos iguais.
Por pena de ti, e saber não ter havido
a fidelidade. Dívida, nada mais.

Amo-te pelo meu auto-perdão, enfim,
de [minha] tal imoralidade egoísta.
Aqui ainda egoísmo: amor a mim.
Querer cruel e infiel e narcisista.

É amor por circunstância, é compaixão.
Amor sem escrúpulos. Elo decadente.
Servo da possibilidade de perdão.

Amor de livramento. Busca a solidão
em paz. Interesse próprio. Esteja crente:
se pensas que há dignidade, ilusão!

domingo, 25 de janeiro de 2009

Divagando sobre sonhos

(Carta a um Transeunte do Sul)

Eu não posso saber de que forma o mundo funciona. Não consigo.

Quando eu deito e durmo, certas noites eu sonho porque minha alma vaga pelo mundo que está afora de mim. Noutras, sonho porque ela passeia pelo mundo que sou.

Acredito que alguns sonhos são encontros espirituais.
Outros são simples reflexos meus, quando me permito compreender melhor o que sou.

O que sei é que às vezes eu tento me burlar e me concentro em algo especial, para ver se minha viagem onírica permeia os mundos que desejo e nem sempre alcanço.

Tanto, que ao final termino confundindo o que criei acordada com o que vivi dormindo.

Ou, de tanto tentar, algumas noites passo sem sonhos.
Como se eu sabotasse a fraude que armo contra mim mesma.
E findo numa noite vazia, enquanto os olhos estão cerrados.

Com tudo isso, eu não posso saber de que forma o mundo funciona.
Mas consigo sentir que ele é mágico.

Aí pergunto se há discrepância entre o que se vive dormindo e o que se vive acordado.
E quantos encontros não tive enquanto dormia; nessas noites vazias que meu corpo é pequeno demais para lembrar o que houve.

Em alguns momentos eu creio que foi minha alma que arrumou um meio de me trazer a pessoa de luz que você é, enquanto eu permanecia desacordada.

E me questiono se, depois que te conheci, corpo, ela foi te visitar novamente.
Porque consigo guardar, com detalhes, a essência de sua forma de mexer quando sorriu ao meu lado.
E do brilho infantil dos olhos que me deste, por breve tempo.

Sabe-se lá quantos seres de luz e paz há espalhados por aí.
Mas é impossível não desejar reencontros com os já achados; ou não dedicar uns minutos – noites alternadas em ritmos mil – àquela concentração. Como quem quisesse convencer a alma para que lado andar quando estiver solta.

Mas quando ela está solta, ela está solta. [E essa é uma redundância necessária.]

Ainda não posso mandar na minha alma enquanto durmo.

Minha criatividade infantil, desamarrada, me faz ver minha alma chegando onde estiver a sua, só para gerar uma luz maior. Não para absorver, mas para estabelecer um contato que faça ambas se tornarem mais claras.

Eu não posso ter certeza das minhas crenças e sonhos.
E toda essa divagação sobre almas e corpos – como se pudéssemos os dividir – termina sendo apenas poética. Ou acolhedora. Uma forma de conforto.

Então, como ainda sou um corpo, te componho um texto palpável, com o que sou, faço, penso... Para assegurar que nossa existência é real, e concomitante.

Para alcançar você de alguma forma, num tempo que não seja só memória.