sábado, 10 de dezembro de 2016

Der Winter

Inverno bem rigoroso,
tudo se faz resfriado.
Recolhe-se a paisagem,
tudo se queda parado.

Retira-se cada bicho,
contrai-se cada planta.
Resta sobre o caminho
nada que se levanta.

Tudo coberto em branco,
envolto e enrijecido.
Estático e congelado
o que foi pulsante e vivo.

O gelo traz a dureza,
firmeza, tensão, ringir.
E mora em tudo que é rijo
o risco de se partir.

Repousa então a existência
pedrada em seu lugar.
Ralenta toda a cadência
Cuidando pra não quebrar.

Sem luz e calor do sol
nada consegue expandir.
Eis que no intenso inverno
melhor é deixar dormir.    

Witten, Alemanha.  


sábado, 22 de outubro de 2016

LAGARTA FIRMAMENTO

Impulso tem a lagarta,
com o corpo a tatear...
Tanto trabalho no chão,
para um dia se alçar.

Que força tem a lagarta
pra querer se transformar.
Ainda sem ter suas asas,
almeja um dia voar.

Junta o preciso, a lagarta,
pra metamorfosear.
Em que será que se firma
para não pestanejar?

Rasteja densa, a lagarta.
Pesada até se quedar.
Então pousa longo tempo,
parada num só lugar.

Labuta a muda, a lagarta
 – distante do que será –
mesmo sem ter ido ao céu,
nem saber o que passa lá.

Se empenha em ter, a lagarta,
jeito de se pendurar.
Fecha-se em canto só dela,
se aninha em restrito lar.

Silêncio afora. Ninguém.
Parece só descansar.
Mas dentro faz a si mesma,
de asas, um belo par!

Trabalha no vir a ser.
Distinta renascerá.
Se antes pesada e lenta,
leve e sagaz ficará.

Um dia, bela surpresa!
Da casca sai devagar.
Sai em cor a borboleta,
tingida, fina e solar!

Quiséramos ser lagarta
e somente acreditar.
Trabalhar árduo na terra,
e um dia, simplesmente, ar!




domingo, 16 de outubro de 2016

Beira de borboleta


Ao pé do penhasco, pessoa.
Avante, um colorido ar.
São borboletas das intocáveis,
e alguém a observar.

Pessoa parada na beira,
atenta para não tombar.
Mirando, discreta, as cores:
deslumbre vivo a adejar!

Tão lindas as borboletas!
Quem dera poder tocar.
Mas desfiladeiro abaixo,
tão pouco pode avançar.

Espia o caminho que veio.
Para trás poderia andar.
Mas lá não há borboletas.
Quisera nunca voltar!

Estanca ao pé do barranco
a pessoa a quimerar...
Mas que grandioso exercício
(e árduo): só contemplar!

segunda-feira, 6 de junho de 2016

FLOR SEM SOL

Na sombra, tristonha flor.
Ao longe, o sol em fulgor.
E o botão sem luminescência.
 
Tem a vida em si e mingua.
Abre mansinha, singela e tímida;
carregada de insuficiência.
 
Sem luz ou calor com intensidade,
vê mirrar sua fertilidade,
este potencial de fluorescência...
 
Oh sombra, severo algoz!
Por que se fazer tão atroz
e semear tanta carência?
 
Sem força, as pétalas vão,
e vai também a imensidão
de sonhar com a permanência.
 
Raquítica, queda sem fruto.
Refletindo antecipado luto:
não perpetuará a existência.

sábado, 4 de junho de 2016

Leitos de Rios

Todo rio começa e termina
Cada um tem seu curso
Diversos os percursos.
Entrecruzam confluentes
Água do leito e sina.

Tem rio que vai transparente
Claro, reluz cristalino
Parece espelhar o divino.
Entre retas, quedas e curvas
Leitos brilhando no sempre.

Outros são águas turvas
Mexidos, cheios de chão
Densos por onde estão.
É terra que sofre e urra
A distância do céu, em vão.

Alguns são longas estradas
E guardam muita história
Metros e metros de memória.
Distâncias acumuladas
No leito com gosto de glória.

Há também o pequenino
De porte curto e estreito
Com pouca força em seu peito.
Pequenos rios na vida
Com gosto de despedida.

E seguem nossos leitos
Cada um começa e termina
Todo ele em seu caminho. 
Tanto rio, tanta água
Nesta fluente jornada.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Nascente

Vive a terra bem quieta
Movendo-se cautelosa
Tanto mistério escuro
Abaixo dos pés repousa
 
Quase dormem no espaço
Se arrastando lentamente
Silenciosas no tempo
Terra, rocha e semente
 
Nas profundezas do solo
Onde a luz já não se mira
Quase tudo se assenta
Mas algo remexe e revira
 
Nessa entranha bem densa
Onde tudo tende ao rijo
Abre espaço um movimento
Vai deixando o esconderijo
 
Borbulhando terra afora
Água limpa e transparente
Vindo lá do frio escuro
Se apresenta clara e quente
 
Revirando as profundezas
E se fazendo latente
Pulsando superfície afora
Inesgotável nascente


 

Obra sobre Ruínas


 

Feridas abertas onde não se enxerga
São os olhares duvidando que um dia se erga
A paisagem virada da tempestade passada
O ontem gritando na presente caminhada
Outros tempos, no hoje, através dos escombros
O passado pesando sobre os frágeis ombros
O que se foi grudado no que se é agora
Contínuo indesejável, tempos afora
Peso da lagarta na leve borboleta
E o desejo perene que se esqueça
Qualquer coisa velha que cheira a mofo
E nada adianta todo esforço
A paisagem sombria com o pó de demolição
Sujando as paredes da nova construção
Suja de ontem. Suja de entulho
Por anos a fio. Julho a julho
Cruzando os tempos, restos e sinas
Como planejar a obra sobre as ruínas?


(texto de novembro de 2015)